RESUMO:
A memória nunca é dada. Trata-se de um locus de disputa, de negociação, em que as identidades sociais são construídas. Baseado sobretudo em teóricos como Maurice Halbwachs, Le Goff e Michele Pollack, o artigo pretende abordar alguns conceitos de memória e, ainda que de forma preliminar, esboçar a memória dos garimpeiros de opala do município de Pedro II, Piauí. Também defende a tese de que os garimpeiros vivem um conflito identitário e a opala tem deixado sua digital de forma indelével na alma dos Pedro-segundenses ao ponto de tornar-se um elemento formador (definidor) da memória e das identidades sociais dos garimpeiros de gema de opala do município de Pedro II.
1-HISTÓRICO
O município piauiense de Pedro II, criado em 1854, é possuidor de um relevo constituído de rochas sedimentares com inclinação para Oeste. A uma altitude entre 200 e 700 metros, é um divisor de águas das bacias do Longá e do Poti.
Sua vegetação é predominantemente de caatinga. No solo de origem marinha, em sua maioria, o município tem na extração da gema de opala um de seus principais produtos de exportação.
Fundado em 1853, o município piauiense de Pedro II (*) é conhecido na atualidade como “Terra da Opala”. Mas basta um pouco mais de pesquisa nas andanças por lugares naturais do município para se perceber por um lado que já foi também a ‘terra da rede’, a ‘terra da carnaúba’, dentre outras denominações. Nas andanças se descobre também a exuberância vegetal existente. Em que pese o fato de estar incrustado no seio da Caatinga, a altitude média de 640 m confere ao município pedrossegundense uma temperatura amena, o que lhe valeu também uma segunda alcunha, a de “Suíça Piauiense”, muito explorada durante as temporadas anuais do Festival de Inverno.
A sede do município localizada geograficamente entre quatro olhos d’água (Pirapora, Bananeira, Pimenta e Buritizinho), até praticamente o início dos anos 1980 não possuía água encanada na maioria das casas.
2-BRILHO DA GEMA, OPACIDADE DO HOMEM
Geomorficamente a opala (do sânscrito upala, que significa pedra preciosa) é uma gema cuja formação leva cerca de setenta e dois milhões de anos. No interior da massa amorfa à base de sílica hidrogenada, micro-esferas de cristobalita ao sofrerem a insidência de luz provocam sua refração, o que explica o espectro colorido da opala. Mineralogicamente a opala pertence ao grupo do quartzo.
A gema de opala é popularmente tida como portadora de fortuna, amor e abundância. Para os romanos era símbolo de pureza e de esperança. Os árabes acreditavam que as gemas de opala caíam do céu. Na Idade Média a opala era usada contra doenças nos olhos. Só a partir de 1940 foi que a opala (a exemplo de outros minérios) passou a ser vista como economicamente relevante.
As primeiras manifestações da opala no município de Pedro II datam da década de 1950. O município atualmente possui cerca de trinta e quatro garimpos de opala onde trabalhavam até a segunda metade de 1990 seiscentos garimpeiros.
Durante décadas a exploração de opala ocorreu de forma artesanal, o que provocou danos quase irreversíveis ao meio ambiente (erosão, poluição de cursos d’água) e tragédias humanas, como várias mortes de garimpeiros causada por desmoronamento de ribanceiras (à época não havia acompanhamento por parte do CREA, o que viria ocorrer só a partir de 2000).
Somente em 2005 foi criado o APL – Opala[1] (Arranjo Produtivo Local da Opala) a partir de um esforço conjunto do qual participaram o Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, o Centro de Tecnologia Mineral – CETEM, o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Piauí – SEBRAE-PI, a Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP.
Em que pese a festividade de criação da APL, de forma festiva e animada, a única palavra que não se fez ouvir foi exatamente a dos garimpeiros. Talvez seja significativa essa passagem do pronunciamento do coordenador do APL Opala: “O APL Opala atua na pacificação do trabalho realizado pelas empresas mineradoras e os garimpeiros autônomos” (**)
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(*) Pedro II (04° 25’ 29’’ Sul e 41° 27’ 31’’ Oeste), possui uma área de 1.948 km² na qual vive uma população de 38.812 habitantes (IBGE, 2021), renda per capta 2.628,07 (IBGE 2008)).
(**) Além das instituições citadas, estavam também: A AJOP-Associação dos Joalheiros e Lapidários de Pedro II, a COOGP –Cooperativa dos Garimpeiros de Pedro II e a Prefeitura Municipal de Pedro II.
Declaração colhida em:HTTP://www.appm.org.br/novo/notícia.php?cn=5346 Acesso:24/03/2006
Referências:
GETIRANA, Ernâni. Bamburistas e Opala do Município de Pedro II, UFPI,2009.
Habisback, M. A Memória Coletiva, Unicamp, SP, 2019
LE GOFF, J · 1990 · Identidade Coletiva
PIAUÍ, Catálogo Opala. Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Piauí – SEBRAE. Teresina, 2007.
ERNÂNI GETIRANA (@ernanigetirana) é professor aposentado do estado (ainda leciona na rede municipal de educação), poeta e escritor. Presidente da APLA – Academia Pedro-segundense de Letras e Artes, membro da UBE-PI, ALVAL e do IHGPI. Formado em Letras pela UFPI, onde também fez mestrado. Membro fundador do Coletivo P2. Pertence aos coletivos ‘Amigos da Literatura’ e Coletivo Literário de São Benedito, CE. É autor, dentre outros livros de “Debaixo da Figueira do Meu Avô” (Livraria Entrelivros, Teresina). Atualmente prepara três novos livros, dente estes “História, Geografia e Literatura de Pedro II, Piauí”. Escreve aos sábados para o Portal News Piauí.
[1] Além das instituições citadas, estavam também: A AJOP-Associação dos Joalheiros e Lapidários de Pedro II, a COOGP –Cooperativa dos Garimpeiros de Pedro II e a Prefeitura Municipal de Pedro II.