1.COMUNIDADES AFRODESCENDENTES
Entre 1811 e 1820 houve uma elevação no número de escravizados africanos e crioulos(a) enviados para o Piauí. Cálculos confiáveis dão conta de que o número foi de 1.056 sujeitos (6,2% do total de cativos comercializados no Atlântico) nesse período (RIBEIRO, 2005).
Há nos cartórios locais de Pedro II, ou pelo menos havia há bem pouco tempo, uma série de documentos alusivos aos escravizados no município. Alguns desses homens e mulheres (ou seus descendentes diretos) deram origem ao primeiro bairro da cidade, o bairro Saborá(b).
O nome do bairro faz referência a uma substância amarelada que se encontra misturada ao mel de uma espécie de abelha, a arapuá(c), insetos que construíam suas colmeias em grande quantidade fixadas nas paredes das grotas, assim como nas paredes de um talhado na parte Oeste do bairro.
No passado o centro da cidade e o bairro eram separados por uma enorme fenda de cerca de mais de 200 m de extensão e uns 4 m de profundidade em alguns pontos, que dificultava muito o trânsito de animais e pessoas. No período das chuvas (de outubro a março) a ‘Grota do Saborá’ (que ainda hoje deságua no olho d’água Bananeira), como era conhecida, transformava-se num riacho caudaloso.
Nos dias atuais parte da grota foi calçamentada, mas quando chove forte a rua construída sobre ela recebe a alcunha de ‘rua das latas’, pois a correnteza carrega esses objetos em seu percurso produzindo um barulho característico.
2. CASA GRANDE E SENZALA
Escrevemos um texto sobre o assunto, partindo da ideia de que o bairro Saborá era para o entorno da praça da matriz (Centro Histórico) o que a senzala (casa dos negros) foi para a Casa-Grande (casa dos senhores) durante a vigência da escravidão. Isso pode levar a um estudo sobre a viabilidade de termos tido ali um quilombo, ou algo que o valha.
Entre os anos 1930 (talvez antes) e 2000, boa parte dos moradores do bairro Saborá trabalhava nas ‘casas de família’ (expressão usada para se referir à classe média local): a mulher que passava roupa, o botador de água, o menino de recado, a moça que engomava as roupas, o homem que servia de vigia, etc.,em sua grande maioria eram moradores do Saborá. Havia no bairro benzedeiras, assim como praticantes de religiões de matriz africana.
Outra região com forte presença de afrodescendentes no município de Pedro II é a comunidade rural São Luís. Situada a cerca de 20 km do centro da cidade, esta comunidade realiza desde 2016 a ‘Pega do Boi Manuel Fernandes’, uma justa homenagem prestada pelo povo à região que produziu os melhores vaqueiros já vistos em terras pedro-segundenses.
Além do que descrevemos acima, os afrodescendentes introduziram religiões de matriz africana no município (como o Candomblé) e a Umbanda (de origem brasileira) ambas praticadas desde a segunda metade dos anos 1850. Sempre às escondidas da polícia, longe dos olhares dos padres e, depois, dos pastores. A saga das religiões de matriz afrodescendentes no município de Pedro II merece pela sua relevância um livro. Trataremos ainda que de forma superficial dessa questão mais adiante.
(a) Pessoas de pele escura descendentes de africanos subsaarianos, incluindo negros e mestiços.
(b) Antigamente este bairro podia ser assim delimitado: Ao Note, Campo de Aviação; ao Sul, bairro Campestre, a Leste, talhado do Pimenta e a Oeste Centro Histórico da cidade.
(c)Arapuá (Trigona spinipes), conhecida pelos nomes arapuã, irapuã, irapuá e aripuá no Nordeste do Brasil, é uma abelha social sem ferrão brasileira, da tribo meliponini, de coloração negra reluzente. Seu nome, derivado do tupi eírapu'a ("mel redondo"), faz referência ao formato de sua colmeia.
REFERÊNCIAS
GETIRANA, Ernâni. Geografia, História e Literatura de Pedro II, Piauí (no prelo). Teresina, PI.2025.
RIBEIRO, Alexandre Vieira. O tráfico atlântico de escravos e a praça mercantil de Salvador, 1680-1830. 2005. 149 f. Dissertação. Mestrado em História Social. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 2005.
ERNÂNI GETIRANA (@ernanigetirana) é professor, poeta e escritor. Pertence às academias ALVAL e APLA, e é membro do IHGPI. Membro fundador do COLETIVOP2. É autor, dentre outros livros de ‘Debaixo da Figueira do Meu Avô’. Escreve aos sábados para o Portal P2.
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