
Montar uma livraria era um sonho de há muito acalantado por ela. Era, sim, era isso mesmo que ela iria ser na vida: uma livreira! A cidadezinha era um cocô no meio do mato, nos cafundós do Judas e a livrariazinha seria uma ilha no meio daquilo. Daquilo.
Agora, sentada ali na ‘sua poltrona’ (na qual ninguém mais sentava), ela observa as estantes de livros e, de vez em quando, checava o celular. A pandemia por Covid não dava mesmo trégua e o pulha desse presidente além de não ajudar, só atrapalhava.
Fazia umas três horas que abrira a pequena livraria e neca de comprador. A coisa não estava nada fácil. Tudo praticamente parado na cidade. Por um lado era isso mesmo que se devia fazer, ela sabia disso. Mas como é que faria para pagar as contas se ninguém estava indo lá para comprar livros? Não que comprar livros fosse uma atividade tão cotidiana como comprar pão. Aliás, a padaria logo ali atrás, no outro quarteirão, não a deixava se enganar quanto a isso. Pão se compra praticamente todo santo dia. Já livros...
Naquele dia, em especial, ela estava bastante excitada naquela manhã. Era uma excitação pelos novos livros chegados, de poder abri-los, ler as orelhas, as apresentações. Aquele autor que ela já conhecia muito bem. Mas também tinha aquele outro ali de um autor novo, um nome que ela não conhecia. Teria sido um erro do editor? Ela recorreu à relação de pedido e o nome daquele autor não constava nela. Havia sido um engano, só podia ser isso mesmo.
Mas o livro estava ali à disposição dela e não custava nada dar uma olhada e, como ela já imaginava, deveria ser mais uma daquelas porcarias feitas por aspirantes a poeta, que fosse ou romancista. No segundo caso seria ainda mais sacal. Ter que aturar páginas e páginas de um filha da puta querendo meter aquilo dentro da gente.
Ok, então folhearia o tal livro que se encontrava agora exatamente ali sobre a mesinha de centro do apartamento dela, já fora da embalagem do correio. Mas não o leria hoje, agora não. Tinha uma montanha de coisas a fazer, pilhas de livros para arrumar na livraria.
Mas por hoje bastava. Estava moída. Olhe que pegara no pesado desde as dez daquela manhã e era um domingo. Um domingo. Reparem só. E ela ali metida entre livros. Não, tinha que sair um pouco, dar uma volta. Dar um rolê, como dizia sua filha.
E ela tirou o carro da garagem e foi dar um rolê.
ERNÂNI GEIRANA (@ernanigetirana) é professor, poeta e escritor. É autor de vários livros, dentre eles “Debaixo da Figueira do Meu Avô”, “Lendas da Cidade de Pedro II” e “Estripulias e Rosa Doida”. Escreve aos sábados para o Portal P2.


Mín. ° Máx. °